Rompimento de Fasano com chef reflete mudanças na alta gastronomia de SP
JULIO WIZIACK
DE SÃO PAULO
A saída do chef Salvatore Loi do grupo comandado por Rogério Fasano, em junho, não foi resultado de uma disputa de egos entre dois "italianos sanguíneos".
Foi o capítulo final de um processo de mudança que teve como pano de fundo uma transformação no mercado da alta gastronomia nacional.
Para Rogério, não havia saída: era mudar ou mudar. Neste novo cenário, não existia mais espaço para Loi, que comandava não apenas o Fasano paulistano - o melhor italiano da cidade, segundo o júri da revista "sãopaulo" - como também os demais restaurantes do grupo.
Rogério e Loi não quiseram comentar os detalhes do rompimento desse "casamento" de quase 13 anos.
Em uma entrevista de Loi à Folha, no final de junho, o chef afirmou ter saído devido à pressão para a redução de custos, de funcionários e do uso de produtos caros.
Também disse que houve perda de clientes e que os investimentos, como a filial do Gero, em Brasília, não deram o retorno esperado.
Rogério sempre disse ter crescido aos "trancos e barrancos". A partir de uma confeitaria aberta pelo bisavô, em 1902, ergueu um império da gastronomia que se expandiu para a hotelaria e consolidou uma das marcas de luxo mais valiosas do país.
Sem controle de gastos, o grupo enfrentou problemas financeiros no fim da década de 90. O pior ano foi 2003, quando Rogério quase foi à falência. Era outra época.
O restaurateur teve de colocar "ordem na cozinha" para se adaptar aos novos rumos do mercado e preservar a saúde financeira do grupo.
Nem só de badalação e lances criativos dos chefs vive a alta gastronomia paulistana.
O aumento da concorrência nessa elite dos restaurantes, os custos cada vez mais altos da mão de obra e a valorização do real, entre outros fatores, reduziram substancialmente as margens de lucro dessas casas.
Não bastassem essas circunstâncias, a saúde financeira do grupo Fasano era afetada pelo estilo perfeccionista de Rogério. Resultado: em 2003, ele quase foi à falência.
Não restava outra saída que não fosse aderir a uma gestão empresarial, com um controle rigoroso de custos.
A Folha passou três semanas conversando com empresários, ex-funcionários, fornecedores, amigos, entre outras pessoas que fizeram - e fazem - negócios com os Fasano. Eles só aceitaram falar sob o compromisso de que tivessem a identidade preservada.
A reportagem também buscou nos arquivos da Junta Comercial documentos sobre a situação financeira do Fasano e de alguns concorrentes.
Leia a seguir os capítulos dos últimos dez anos de história do mais tradicional símbolo da alta gastronomia de São Paulo.
Maria do Carmo/Folhapress
Rogério Fasano no restaurante nos Jardins, em São Paulo
AZEDA A PARCERIA
Para ser chef geral dos restaurantes de Fasano, é quase preciso ser Rogério Fasano. A parceria começa com uma viagem para a "Itália de Rogério", onde ele apresenta seus lugares preferidos para que o chef possa apreciar ingredientes, receitas e sabores que, juntos, expressam o espírito do grupo.
Essa temporada gastronômica e cultural sempre foi uma rotina. Mas, em 2003, a situação mudou. Naquele ano, Rogério se tornou sócio de João Paulo Diniz e de Abilio Diniz, então controladores do Grupo Pão de Açúcar.
No final dos anos 1990, Rogério já tinha procurado os Diniz para lançar o Emporio Fasano. A proposta foi bem recebida. O problema é que Fasano queria uma única loja, e os Diniz pretendiam replicar o modelo. Além de explorar a marca Fasano, a ideia era criar um lugar com produtos exclusivos.
O projeto não foi adiante, mas João Paulo acabou se tornando sócio de Rogério, que, naquele momento, estava preparando o lançamento dos restaurantes Gero Caffe e Parigi, ambos em São Paulo. Ao mesmo tempo em que desembolsava uma pequena fortuna para abrir as duas casas, Rogério comprou o terreno onde seria construído o hotel, aberto em 2003.
Esses investimentos por pouco não o levaram à falência. Era cada vez mais evidente que Rogério precisaria de reforços para se reerguer.
Os Diniz viram no empreendimento hoteleiro vislumbrado por Fasano uma boa oportunidade de negócios e decidiram entrar pesado. Juntos, Abilio e João Paulo destinaram inicialmente quase R$ 15 milhões. Rogério colocou R$ 8,5 milhões.
A crescente necessidade de aportes levou os Diniz a ter quase 70% do negócio já que Rogério não conseguia acompanhar o ritmo dos investimentos. As divergências sobre controle de custos tornaram-se rotina, e os prejuízos se acumularam. Em 2003, a conta da hotelaria ficou negativa em R$ 6,2 milhões. Em 2007, em R$ 15,8 milhões, um crescimento de 155%.
Mesmo assim, nesse período, Rogério quis levar o chef e 30 funcionários à Itália em um dos mais ambiciosos programas de treinamento. A ideia desagradou ao então sócio João Paulo Diniz, e a viagem foi cancelada.
A obsessão de Rogério pela qualidade e sua dificuldade em lidar com números entrou em choque com o rigor empresarial dos Diniz. A parceria chegou ao fim, em 2007.
Editoria de Arte/Folhapress
Uma saga de 110 anos: momentos-chave da expansão do grupo Fasano, da confeitaria em São Paulo ao hotel em Salvador
BAIÃO DE DOIS
Rogério levou um tempo para entender que seu negócio "não era ser dono de tijolo", como costuma dizer a alguns amigos. Com o rompimento da sociedade, João Paulo Diniz ligou para José Auriemo Neto, presidente da incorporadora JHSF.
Zeco, como é conhecido, negou-se a comprar sua participação no grupo Fasano imediatamente. Mas mudou de ideia na semana seguinte, depois de analisar os balanços. Apesar dos prejuízos acumulados, Zeco percebeu que o negócio tinha grande potencial. Entre 2003 e 2006, as receitas tinham passado de R$ 6,7 milhões para R$ 29,6 milhões, e grande parte dos prejuízos era decorrente do aumento excessivo dos custos operacionais.
A JHSF topou e comprou 50,1% do negócio, aportando inicialmente R$ 24,5 milhões. Depois, a participação subiu para 53%. Rogério já conhecia Zeco, cuja incorporadora construiu empreendimentos de alto padrão, como o shopping Cidade Jardim.
Zeco implantou um novo modelo de gestão no hotel. No primeiro ano, a JHSF reduziu o prejuízo em dois terços e, em 2008, a operação obteve lucro pela primeira vez (R$ 2,7 milhões).
Rogério ficou tão contente com o resultado e a forma como Zeco apresentava as tais "planilhas de Excel" (os dados financeiros da operação) que decidiu contratar a JHSF para gerir os restaurantes.
Divulgação
Salão do Gero, em Brasília, controlado pela Gero Participações
AMIGOS À MESA
Outra marca curiosa na vida empresarial de Fasano são os amigos. Em muitos momentos, eles se tornaram sócios (muitos ainda são) e acabaram "dando uma força".
Foi o que aconteceu em 2004. Para centralizar os investimentos nos restaurantes, Rogério criou uma empresa - a Gero Participações - e contou com um aporte de R$ 4,4 milhões do cientista político Antônio Lavareda, que tinha se comprometido a injetar ao menos R$ 7,8 milhões.
A participação de Lavareda (correspondente a 20% do total) ajudou Rogério no investimento feito entre 2004 e 2006 nos restaurantes Gero e Fasano que, no período, exigiram R$ 10,7 milhões.
Lavareda deixou a sociedade, em 2007, porque Rogério queria retomar o controle da empresa responsável pelos restaurantes da família; já na rede hoteleira, Rogério não era o controlador.
Considerado o melhor bar do mundo pela renomada revista inglesa "Wallpaper", o Baretto (que hoje fica no hotel Fasano) já teve como sócios o publicitário Nizan Guanaes e o diretor de cinema Paulo Machline.
Na Enoteca, vendida no ano passado, esteve Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do Brasil durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Ele também teve metade de uma importadora em sociedade com Fabrizio Fasano, pai de Rogério. O negócio foi encerrado.
No Rio de Janeiro, a parceria nos restaurantes é com Alexandre Accioly, empresário que é dono de diversos negócios como a rede de academias Bodytech, com João Paulo Diniz e o BTG Pactual, de André Esteves.
Os "amigos sócios" entenderam que, apesar da necessidade de controle das finanças, não poderiam conter demais Rogério Fasano, o coração do negócio. Em algumas vezes, tiveram de obter margens de lucro menores para abrir um novo restaurante. Nos bastidores, Rogério diz que "sai do sério" se vê uma de suas ideias implementada por outros.
É o caso da Trattoria Fasano, que custou R$ 5 milhões e está prestes a ser inaugurada em São Paulo. A estratégia, nesse caso, não era só "crescer os ativos do grupo" mas também criar uma alternativa para impedir a "fuga de profissionais".
Nos últimos anos, Rogério perdeu seus melhores "números 2" da cozinha. Com salários mensais em torno de R$ 10 mil, eram alvo de empreendedores do setor interessados em abrir um restaurante inspirado no estilo Fasano. Nos guias de restaurantes, muitos são destacados pela presença de ex-funcionários ou chefs do grupo.
Alguns funcionários, como Juscelino Pereira, deixaram o Fasano e se tornaram grandes empresários do setor. Juça, como é chamado por Rogério, é dono de 14 casas, incluindo o Piselli.
Divulgação
Bar do hotel Fasano SP, eleito entre os melhores do mundo
PANELA DE PRESSÃO
Fasano não reclama disso, mas da quantidade de restaurantes que abriram nos últimos anos (muitos fecharam as portas) e que acabaram pulverizando a clientela - resultado do aumento da renda do brasileiro, especialmente no governo Lula.
Resultado: a média de refeições servidas nos restaurantes do grupo Fasano está em 15 mil por mês, número que, em 2000, era o dobro.
Outro golpe foi o fortalecimento do real que fez o público de alto poder aquisitivo viajar com mais frequência ao exterior, onde a gastronomia estrelada não custa tanto, proporcionalmente.
Para jantar no Alinea, do chef Grant Achatz, em Chicago (EUA), paga-se US$ 322 (R$ 653), sem bebidas, por pessoa. Esse é o preço de um jantar, com vinho, para o casal, no Fasano.
O preço regula com o do restaurante do chef Alain Ducasse, em Nova York (EUA), onde o preço de um jantar gira em torno de US$ 130 (R$ 264) por pessoa, sem bebida e já contando impostos.
A diferença é que a renda per capita do americano é quase três vezes maior que a do brasileiro.
Ao mesmo tempo em que enfrentaram redução de frequência, as casas de alta gastronomia também passaram a enfrentar pressão de custos.
Os consultores do setor dizem que hoje há quem pague só em aluguel a mesma quantia equivalente aos lucros. A mão de obra é outro fator cujos custos explodiram. Some-se ainda impostos e encargos, além do encarecimento dos produtos, cuja alta seguiu o ritmo inflacionário.
Coloque a valorização do real - que chegou a ser uma das moedas mais apreciadas do mundo - e pronto. Chega-se a uma receita típica brasileira: cardápios com preços mais elevados mesmo com concorrência acirrada.
A gastronomia no país acabou por perverter um dos princípios básicos da economia, o de que concorrência derruba preços. Também trouxe outra surpresa desagradável aos restaurateurs: a necessidade de subir os preços para ganhar menos.
Na década passada, as margens de lucro atingiam 25% da receita líquida. Hoje, raramente passam de 10%, segundo especialistas e alguns proprietários ouvidos pela Folha.
O resultado é que muitos grupos foram à bancarrota e diversos, vendidos. No mês passado, o Rubaiyat foi vendido para um fundo espanhol, que passou a deter 70% de participação por, estima-se, cerca de R$ 115 milhões. O restaurante português Antiquarius também foi vendido para um grupo português.
Para sobreviver no novo cenário, não resta outra alternativa a não ser rigor na administração. A regra vale para todos, inclusive para o Fasano, que teve de encontrar formas para se adequar.
Como seu negócio é a cozinha, Rogério encontrou na parceria com a JHSF a combinação perfeita. Hoje a contabilidade está equilibrada e os restaurantes rentáveis, embora, às vezes, alguns passem por dificuldades.
Foi o que aconteceu com o Nono Ruggero Cidade Jardim. Com a recente onda de assaltos ocorridos nos shoppings de luxo da capital paulista, Zeco, da JHSF, mandou fechar a entrada que dava direto à porta do restaurante. A decisão derrubou o movimento pela metade.
ESTORRICOU
A relação entre Rogério e o chef Salvatore Loi começou a se complicar nos últimos anos. Em 2010, o restaurateur fez uma aposta: queria levar a marca para Brasília, com a abertura do Gero. Rogério mandou para lá o chef Ronny Peterson. No ano seguinte, o Gero já era o italiano preferido dos brasilienses, mas quem recebeu o prêmio da crítica foi Salvattore Loi, o chef "número 1".
Essa situação fez Rogério perceber que não havia mais lugar em seu grupo para um "chef dos chefs", que recebia um salário mensal de R$ 70 mil. Por isso, decidiu pôr fim ao posto e valorizar o chef de cada restaurante.
Além disso, Fasano reclamava que Loi não correspondia aos seus apelos. Um deles era o de que o chef passasse temporadas em restaurantes da Europa para se reciclar. Fasano - que reinventou o risoto italiano, tornando-o mais leve e ditando as regras ao mercado - busca a inovação, algo que fez de Alex Atala a sensação do momento.
Atala também teve problemas financeiros. Administra uma dívida de R$ 6 milhões decorrente da separação da sociedade com o chef Alain Poletto no Dalva e Dito.
Esses percalços não afetaram o D.O.M., seu principal restaurante, que se notabilizou pela cozinha brasileira moderna, com ingredientes bons e inusitados. Neste ano, foi escolhido pela revista inglesa "Restaurant" o quarto melhor do mundo.
Pois no momento em que o Fasano tem no D.O.M. um concorrente em constante reinvenção, como nunca houve, as diferenças entre Rogério e Loi chegam ao ápice. No final do ano passado, o restaurateur definiu que a saída do chef seria em julho.
SOBREMESA
Rogério já disse que seus sacrifícios pessoais para manter os negócios são gigantescos. Também falou que sua conta bancária é "correr atrás do mês para pagar o mês". Com 49 anos, mora em imóvel alugado, teve dois infartos e dois casamentos. Vive com pouco dinheiro no bolso, mas se sente rico.
Para ele, a pessoa pode ter um caminhão de dinheiro, mas será sempre pobre se continuar preocupada com grana.
Salvatore Loi estava enganado: a grana corre atrás de Rogério Fasano e ele nunca esteve sozinho.
Ao deixar o grupo, Loi afirmou à Folha que as pessoas tinham na cabeça que Rogério pode tudo. "Não é mais isso", disse o chef. "Quando ele estava sozinho, podia."
Chef Luca Gozzani é o novo coordenador do grupo Fasano
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O grupo Fasano, ingrediente por ingrediente
São Paulo
Restaurantes
Gero
Fasano
Parigi
Gero Caffe
Armani Caffe
Nonno Ruggero
Bar
Baretto
Controlador Gero Participações
Sócios Rogério Fasano, Andrea Fasano, Fabrizio Fasano
Trattoria Fasano
Sócios Rogério Fasano e Fernando Toledo
Buffet Fasano
Sócios Andrea Fasano e Patrícia Fillardi
Hotel Fasano
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RCF (47%)
Outros negócios
Casa Fasano Eventos
Sócios Andrea Fasano, Patrícia Fillardi e João Rodarte
Porto Feliz (interior de SP)
Hoteis Fasano Boa Vista
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RCF (47%)
Rio de Janeiro
Restaurantes
Fasano al Mare
Baretto-Londra
Gero Ipanema
Gero Barra
Sócios Rogério Fasano e Alexandre Accioly
Hotel
Fasano
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RFC (47%)
Salvador
Hotel
Fasano Salvador
Sócios Construtora JHSF, Prima Incorporação e RFC
Brasília
Restaurante
Gero
Controlador Gero Participações
Sócios Rogério Fasano, Andrea Fasano e Fabrizio Fasano
Punta del Leste (Uruguai)
Hotel
Fasano Punta del Este
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (99,9%) e Hotéis Fasano & Resorts (0, 1%)
JULIO WIZIACK
DE SÃO PAULO
A saída do chef Salvatore Loi do grupo comandado por Rogério Fasano, em junho, não foi resultado de uma disputa de egos entre dois "italianos sanguíneos".
Foi o capítulo final de um processo de mudança que teve como pano de fundo uma transformação no mercado da alta gastronomia nacional.
Para Rogério, não havia saída: era mudar ou mudar. Neste novo cenário, não existia mais espaço para Loi, que comandava não apenas o Fasano paulistano - o melhor italiano da cidade, segundo o júri da revista "sãopaulo" - como também os demais restaurantes do grupo.
Rogério e Loi não quiseram comentar os detalhes do rompimento desse "casamento" de quase 13 anos.
Em uma entrevista de Loi à Folha, no final de junho, o chef afirmou ter saído devido à pressão para a redução de custos, de funcionários e do uso de produtos caros.
Também disse que houve perda de clientes e que os investimentos, como a filial do Gero, em Brasília, não deram o retorno esperado.
Rogério sempre disse ter crescido aos "trancos e barrancos". A partir de uma confeitaria aberta pelo bisavô, em 1902, ergueu um império da gastronomia que se expandiu para a hotelaria e consolidou uma das marcas de luxo mais valiosas do país.
Sem controle de gastos, o grupo enfrentou problemas financeiros no fim da década de 90. O pior ano foi 2003, quando Rogério quase foi à falência. Era outra época.
O restaurateur teve de colocar "ordem na cozinha" para se adaptar aos novos rumos do mercado e preservar a saúde financeira do grupo.
Nem só de badalação e lances criativos dos chefs vive a alta gastronomia paulistana.
O aumento da concorrência nessa elite dos restaurantes, os custos cada vez mais altos da mão de obra e a valorização do real, entre outros fatores, reduziram substancialmente as margens de lucro dessas casas.
Não bastassem essas circunstâncias, a saúde financeira do grupo Fasano era afetada pelo estilo perfeccionista de Rogério. Resultado: em 2003, ele quase foi à falência.
Não restava outra saída que não fosse aderir a uma gestão empresarial, com um controle rigoroso de custos.
A Folha passou três semanas conversando com empresários, ex-funcionários, fornecedores, amigos, entre outras pessoas que fizeram - e fazem - negócios com os Fasano. Eles só aceitaram falar sob o compromisso de que tivessem a identidade preservada.
A reportagem também buscou nos arquivos da Junta Comercial documentos sobre a situação financeira do Fasano e de alguns concorrentes.
Leia a seguir os capítulos dos últimos dez anos de história do mais tradicional símbolo da alta gastronomia de São Paulo.
Maria do Carmo/Folhapress
Rogério Fasano no restaurante nos Jardins, em São Paulo
AZEDA A PARCERIA
Para ser chef geral dos restaurantes de Fasano, é quase preciso ser Rogério Fasano. A parceria começa com uma viagem para a "Itália de Rogério", onde ele apresenta seus lugares preferidos para que o chef possa apreciar ingredientes, receitas e sabores que, juntos, expressam o espírito do grupo.
Essa temporada gastronômica e cultural sempre foi uma rotina. Mas, em 2003, a situação mudou. Naquele ano, Rogério se tornou sócio de João Paulo Diniz e de Abilio Diniz, então controladores do Grupo Pão de Açúcar.
No final dos anos 1990, Rogério já tinha procurado os Diniz para lançar o Emporio Fasano. A proposta foi bem recebida. O problema é que Fasano queria uma única loja, e os Diniz pretendiam replicar o modelo. Além de explorar a marca Fasano, a ideia era criar um lugar com produtos exclusivos.
O projeto não foi adiante, mas João Paulo acabou se tornando sócio de Rogério, que, naquele momento, estava preparando o lançamento dos restaurantes Gero Caffe e Parigi, ambos em São Paulo. Ao mesmo tempo em que desembolsava uma pequena fortuna para abrir as duas casas, Rogério comprou o terreno onde seria construído o hotel, aberto em 2003.
Esses investimentos por pouco não o levaram à falência. Era cada vez mais evidente que Rogério precisaria de reforços para se reerguer.
Os Diniz viram no empreendimento hoteleiro vislumbrado por Fasano uma boa oportunidade de negócios e decidiram entrar pesado. Juntos, Abilio e João Paulo destinaram inicialmente quase R$ 15 milhões. Rogério colocou R$ 8,5 milhões.
A crescente necessidade de aportes levou os Diniz a ter quase 70% do negócio já que Rogério não conseguia acompanhar o ritmo dos investimentos. As divergências sobre controle de custos tornaram-se rotina, e os prejuízos se acumularam. Em 2003, a conta da hotelaria ficou negativa em R$ 6,2 milhões. Em 2007, em R$ 15,8 milhões, um crescimento de 155%.
Mesmo assim, nesse período, Rogério quis levar o chef e 30 funcionários à Itália em um dos mais ambiciosos programas de treinamento. A ideia desagradou ao então sócio João Paulo Diniz, e a viagem foi cancelada.
A obsessão de Rogério pela qualidade e sua dificuldade em lidar com números entrou em choque com o rigor empresarial dos Diniz. A parceria chegou ao fim, em 2007.
Editoria de Arte/Folhapress
Uma saga de 110 anos: momentos-chave da expansão do grupo Fasano, da confeitaria em São Paulo ao hotel em Salvador
BAIÃO DE DOIS
Rogério levou um tempo para entender que seu negócio "não era ser dono de tijolo", como costuma dizer a alguns amigos. Com o rompimento da sociedade, João Paulo Diniz ligou para José Auriemo Neto, presidente da incorporadora JHSF.
Zeco, como é conhecido, negou-se a comprar sua participação no grupo Fasano imediatamente. Mas mudou de ideia na semana seguinte, depois de analisar os balanços. Apesar dos prejuízos acumulados, Zeco percebeu que o negócio tinha grande potencial. Entre 2003 e 2006, as receitas tinham passado de R$ 6,7 milhões para R$ 29,6 milhões, e grande parte dos prejuízos era decorrente do aumento excessivo dos custos operacionais.
A JHSF topou e comprou 50,1% do negócio, aportando inicialmente R$ 24,5 milhões. Depois, a participação subiu para 53%. Rogério já conhecia Zeco, cuja incorporadora construiu empreendimentos de alto padrão, como o shopping Cidade Jardim.
Zeco implantou um novo modelo de gestão no hotel. No primeiro ano, a JHSF reduziu o prejuízo em dois terços e, em 2008, a operação obteve lucro pela primeira vez (R$ 2,7 milhões).
Rogério ficou tão contente com o resultado e a forma como Zeco apresentava as tais "planilhas de Excel" (os dados financeiros da operação) que decidiu contratar a JHSF para gerir os restaurantes.
Divulgação
Salão do Gero, em Brasília, controlado pela Gero Participações
AMIGOS À MESA
Outra marca curiosa na vida empresarial de Fasano são os amigos. Em muitos momentos, eles se tornaram sócios (muitos ainda são) e acabaram "dando uma força".
Foi o que aconteceu em 2004. Para centralizar os investimentos nos restaurantes, Rogério criou uma empresa - a Gero Participações - e contou com um aporte de R$ 4,4 milhões do cientista político Antônio Lavareda, que tinha se comprometido a injetar ao menos R$ 7,8 milhões.
A participação de Lavareda (correspondente a 20% do total) ajudou Rogério no investimento feito entre 2004 e 2006 nos restaurantes Gero e Fasano que, no período, exigiram R$ 10,7 milhões.
Lavareda deixou a sociedade, em 2007, porque Rogério queria retomar o controle da empresa responsável pelos restaurantes da família; já na rede hoteleira, Rogério não era o controlador.
Considerado o melhor bar do mundo pela renomada revista inglesa "Wallpaper", o Baretto (que hoje fica no hotel Fasano) já teve como sócios o publicitário Nizan Guanaes e o diretor de cinema Paulo Machline.
Na Enoteca, vendida no ano passado, esteve Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do Brasil durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Ele também teve metade de uma importadora em sociedade com Fabrizio Fasano, pai de Rogério. O negócio foi encerrado.
No Rio de Janeiro, a parceria nos restaurantes é com Alexandre Accioly, empresário que é dono de diversos negócios como a rede de academias Bodytech, com João Paulo Diniz e o BTG Pactual, de André Esteves.
Os "amigos sócios" entenderam que, apesar da necessidade de controle das finanças, não poderiam conter demais Rogério Fasano, o coração do negócio. Em algumas vezes, tiveram de obter margens de lucro menores para abrir um novo restaurante. Nos bastidores, Rogério diz que "sai do sério" se vê uma de suas ideias implementada por outros.
É o caso da Trattoria Fasano, que custou R$ 5 milhões e está prestes a ser inaugurada em São Paulo. A estratégia, nesse caso, não era só "crescer os ativos do grupo" mas também criar uma alternativa para impedir a "fuga de profissionais".
Nos últimos anos, Rogério perdeu seus melhores "números 2" da cozinha. Com salários mensais em torno de R$ 10 mil, eram alvo de empreendedores do setor interessados em abrir um restaurante inspirado no estilo Fasano. Nos guias de restaurantes, muitos são destacados pela presença de ex-funcionários ou chefs do grupo.
Alguns funcionários, como Juscelino Pereira, deixaram o Fasano e se tornaram grandes empresários do setor. Juça, como é chamado por Rogério, é dono de 14 casas, incluindo o Piselli.
Divulgação
Bar do hotel Fasano SP, eleito entre os melhores do mundo
PANELA DE PRESSÃO
Fasano não reclama disso, mas da quantidade de restaurantes que abriram nos últimos anos (muitos fecharam as portas) e que acabaram pulverizando a clientela - resultado do aumento da renda do brasileiro, especialmente no governo Lula.
Resultado: a média de refeições servidas nos restaurantes do grupo Fasano está em 15 mil por mês, número que, em 2000, era o dobro.
Outro golpe foi o fortalecimento do real que fez o público de alto poder aquisitivo viajar com mais frequência ao exterior, onde a gastronomia estrelada não custa tanto, proporcionalmente.
Para jantar no Alinea, do chef Grant Achatz, em Chicago (EUA), paga-se US$ 322 (R$ 653), sem bebidas, por pessoa. Esse é o preço de um jantar, com vinho, para o casal, no Fasano.
O preço regula com o do restaurante do chef Alain Ducasse, em Nova York (EUA), onde o preço de um jantar gira em torno de US$ 130 (R$ 264) por pessoa, sem bebida e já contando impostos.
A diferença é que a renda per capita do americano é quase três vezes maior que a do brasileiro.
Ao mesmo tempo em que enfrentaram redução de frequência, as casas de alta gastronomia também passaram a enfrentar pressão de custos.
Os consultores do setor dizem que hoje há quem pague só em aluguel a mesma quantia equivalente aos lucros. A mão de obra é outro fator cujos custos explodiram. Some-se ainda impostos e encargos, além do encarecimento dos produtos, cuja alta seguiu o ritmo inflacionário.
Coloque a valorização do real - que chegou a ser uma das moedas mais apreciadas do mundo - e pronto. Chega-se a uma receita típica brasileira: cardápios com preços mais elevados mesmo com concorrência acirrada.
A gastronomia no país acabou por perverter um dos princípios básicos da economia, o de que concorrência derruba preços. Também trouxe outra surpresa desagradável aos restaurateurs: a necessidade de subir os preços para ganhar menos.
Na década passada, as margens de lucro atingiam 25% da receita líquida. Hoje, raramente passam de 10%, segundo especialistas e alguns proprietários ouvidos pela Folha.
O resultado é que muitos grupos foram à bancarrota e diversos, vendidos. No mês passado, o Rubaiyat foi vendido para um fundo espanhol, que passou a deter 70% de participação por, estima-se, cerca de R$ 115 milhões. O restaurante português Antiquarius também foi vendido para um grupo português.
Para sobreviver no novo cenário, não resta outra alternativa a não ser rigor na administração. A regra vale para todos, inclusive para o Fasano, que teve de encontrar formas para se adequar.
Como seu negócio é a cozinha, Rogério encontrou na parceria com a JHSF a combinação perfeita. Hoje a contabilidade está equilibrada e os restaurantes rentáveis, embora, às vezes, alguns passem por dificuldades.
Foi o que aconteceu com o Nono Ruggero Cidade Jardim. Com a recente onda de assaltos ocorridos nos shoppings de luxo da capital paulista, Zeco, da JHSF, mandou fechar a entrada que dava direto à porta do restaurante. A decisão derrubou o movimento pela metade.
ESTORRICOU
A relação entre Rogério e o chef Salvatore Loi começou a se complicar nos últimos anos. Em 2010, o restaurateur fez uma aposta: queria levar a marca para Brasília, com a abertura do Gero. Rogério mandou para lá o chef Ronny Peterson. No ano seguinte, o Gero já era o italiano preferido dos brasilienses, mas quem recebeu o prêmio da crítica foi Salvattore Loi, o chef "número 1".
Essa situação fez Rogério perceber que não havia mais lugar em seu grupo para um "chef dos chefs", que recebia um salário mensal de R$ 70 mil. Por isso, decidiu pôr fim ao posto e valorizar o chef de cada restaurante.
Além disso, Fasano reclamava que Loi não correspondia aos seus apelos. Um deles era o de que o chef passasse temporadas em restaurantes da Europa para se reciclar. Fasano - que reinventou o risoto italiano, tornando-o mais leve e ditando as regras ao mercado - busca a inovação, algo que fez de Alex Atala a sensação do momento.
Atala também teve problemas financeiros. Administra uma dívida de R$ 6 milhões decorrente da separação da sociedade com o chef Alain Poletto no Dalva e Dito.
Esses percalços não afetaram o D.O.M., seu principal restaurante, que se notabilizou pela cozinha brasileira moderna, com ingredientes bons e inusitados. Neste ano, foi escolhido pela revista inglesa "Restaurant" o quarto melhor do mundo.
Pois no momento em que o Fasano tem no D.O.M. um concorrente em constante reinvenção, como nunca houve, as diferenças entre Rogério e Loi chegam ao ápice. No final do ano passado, o restaurateur definiu que a saída do chef seria em julho.
SOBREMESA
Rogério já disse que seus sacrifícios pessoais para manter os negócios são gigantescos. Também falou que sua conta bancária é "correr atrás do mês para pagar o mês". Com 49 anos, mora em imóvel alugado, teve dois infartos e dois casamentos. Vive com pouco dinheiro no bolso, mas se sente rico.
Para ele, a pessoa pode ter um caminhão de dinheiro, mas será sempre pobre se continuar preocupada com grana.
Salvatore Loi estava enganado: a grana corre atrás de Rogério Fasano e ele nunca esteve sozinho.
Ao deixar o grupo, Loi afirmou à Folha que as pessoas tinham na cabeça que Rogério pode tudo. "Não é mais isso", disse o chef. "Quando ele estava sozinho, podia."
Chef Luca Gozzani é o novo coordenador do grupo Fasano
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O grupo Fasano, ingrediente por ingrediente
São Paulo
Restaurantes
Gero
Fasano
Parigi
Gero Caffe
Armani Caffe
Nonno Ruggero
Bar
Baretto
Controlador Gero Participações
Sócios Rogério Fasano, Andrea Fasano, Fabrizio Fasano
Trattoria Fasano
Sócios Rogério Fasano e Fernando Toledo
Buffet Fasano
Sócios Andrea Fasano e Patrícia Fillardi
Hotel Fasano
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RCF (47%)
Outros negócios
Casa Fasano Eventos
Sócios Andrea Fasano, Patrícia Fillardi e João Rodarte
Porto Feliz (interior de SP)
Hoteis Fasano Boa Vista
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RCF (47%)
Rio de Janeiro
Restaurantes
Fasano al Mare
Baretto-Londra
Gero Ipanema
Gero Barra
Sócios Rogério Fasano e Alexandre Accioly
Hotel
Fasano
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (53%) e RFC (47%)
Salvador
Hotel
Fasano Salvador
Sócios Construtora JHSF, Prima Incorporação e RFC
Brasília
Restaurante
Gero
Controlador Gero Participações
Sócios Rogério Fasano, Andrea Fasano e Fabrizio Fasano
Punta del Leste (Uruguai)
Hotel
Fasano Punta del Este
Controlador Hotéis Fasano & Resorts
Sócios Construtora JHSF (99,9%) e Hotéis Fasano & Resorts (0, 1%)
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